Site atualizado em agosto de 2020
Site atualizado em abril de 2023
Alexandre Miranda
Gravidez e Neurocirurgia
(cirurgia de hérnia de disco na paciente grávida)
O tratamento cirúrgico durante a gestação envolve problemas médicos e éticos. A gravidez é uma fase muito especial, pois um novo organismo está sendo formado praticamente do zero, ou melhor, a partir do material genético da mãe e do pai. Esse processo é extremamente complexo e relativamente sensível as agressões externas. Algumas situações artificiais, causadas pelo próprio homem, podem interferir tanto positiva quanto negativamente neste processo. Por isso que durante a gestação os médicos evitam submeter a futura mãe, como veremos a seguir, a qualquer procedimento cirúrgico. Mas existem as exceções. Uma cirurgia para salvar a vida da mãe como na apendicite, por exemplo, encaixa-se nestas exceções. A cirurgia, que é relativamente simples, pode salvar a vida da pessoa. Mas, o que fazer quando o problema da mãe é na coluna e não causa risco de vida?
Atualmente, as neurocirurgias são muito seguras e o risco de complicações, em grande parte delas, é pequeno. Apesar disso, especialmente durante a gravidez, esses riscos não podem ser menosprezados. Devemos ter em mente que durante essa fase serão dois (ou mais) organismos que sofrerão influência do tratamento. O corpo da gestante canaliza suas energias priorizando o bem-estar da criança, então certas coisas não chegam a influenciar o bebê. Enquanto a mãe fica de jejum, por exemplo, o bebê continua recebendo nutrientes através do cordão umbilical. Isso significa que o corpo da mãe pode estar lançando mão das reservas que dispõe. Mas os efeitos da anestesia, dos medicamentos e das alterações metabólicas que ocorrem no organismo materno durante uma cirurgia também são sentidos pela criança.
O corpo feminino está devidamente preparado para passar tranquilamente por uma gravidez. Além disso, na grande maioria das vezes, a gestante é uma pessoa jovem e saudável. Em algumas situações, entretanto, a grávida precisará ser submetida a um tratamento cirúrgico. Felizmente, com a evolução dos medicamentos e das técnicas cirúrgicas, é possível realizar com muita segurança uma operação durante este período sem causar danos à mãe e ao seu filho.
Cirurgias de urgência não podem ser postergadas durante a gravidez. A vitalidade da mãe é importante não só para ela, mas também para o desenvolvimento saudável do bebê. Uma doença afeta negativamente tanto a mãe quanto o filho. O primeiro trimestre da gestação é mais crítico, pois o corpo da criança está sendo formado e este processo é bastante sensível. A partir do 4º mês, começa a fase de crescimento e amadurecimento do feto, o que faz esta fase ser menos susceptível às influências externas portanto, melhor para a realização de uma eventual cirurgia. Apesar disso, qualquer procedimento deve ser postergado o máximo possível, pois quanto mais adiantada estiver a gravidez, melhor.
Fatores que devem ser considerados:
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Na gestante o sangue coagula com maior facilidade. Isso ocorre para evitar uma hemorragia durante o parto. Porém, essa hipercoagulabilidade pode levar a formação de coágulos durante uma cirurgia, aumentando o risco de trombose, principalmente nas pernas e nos pulmões
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Serão dois pacientes a passar pelo procedimento: a mãe e o filho. Então uma eventual complicação pode impactar nos dois.
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A anestesia é um problema relativo, pois é necessário controlar a dose dos medicamentos tendo em mente sua influência sobre o feto.
Durante a gravidez é comum a mulher ter alguns sintomas relacionados às mudanças pelas quais o corpo está passando. Um sintoma que costuma aparecer ou piorar na gestação é a dor lombar. Eventualmente essa dor também vem acompanhada de outros sintomas que geralmente aparecem em quem tem hérnia de disco. Isso ocorre devido ao aumento do peso e inchaço corporal que sobrecarregam a região lombar. A tendência é que, após o parto, esses sintomas desapareçam à medida que o corpo vai voltando às suas características habituais. Então, nesta fase, outras formas de tratamento que não envolvam cirurgia podem ser instituídos, como o uso de analgésicos, fisioterapia, acupuntura, infiltrações, correção postural, repouso, etc. Talvez a principal limitação da terapia da dor em uma gestante está no emprego de medicamentos. Muitos remédios não podem ser administrados durante a gravidez, o que pode dificultar o controle da dor, especialmente quando ela é mais intensa.
A sequência do tratamento pode ser a seguinte:
• Orientações e aconselhamento
• Fisioterapia
• Medicamentos ant-iinflamatórios
• Injeções epidurais
• Analgésicos opioides
• Quiropraxia
Existem situações especiais em que a cirurgia deve ser realizada. Uma hérnia de disco, por exemplo, pode evoluir para um problema, que felizmente é raro, chamado de Síndrome da Cauda Equina. Essa síndrome, se não for tratada rapidamente, pode deixar sequelas graves na paciente como paraparesia (fraqueza nas duas pernas) causando dificuldade para andar, incontinência urinária e fecal, dor intensa e anestesia na região do quadril (anestesia em sela). De modo geral, quanto mais rápida for feita a cirurgia, melhores serão as chances de recuperação sem sequelas. Então uma gestante com Síndrome da Cauda Equina não pode ter sua cirurgia postergada.
Algumas situações também têm que ser analisadas individualmente, caso a caso. A principal queixa de um paciente com hérnia de disco é a dor. Apesar de existirem escalas que tentam medir a intensidade da dor em números, sabemos que ela é um sintoma praticamente imensurável. Somente quem está sentindo pode avaliar sua intensidade e se a dor é tolerável ou não. Às vezes ela é tão intensa que nenhum medicamento, até mesmo os feitos à base de morfina, serão capazes de trazer alívio satisfatório.
Hérnia de disco e gravidez
Modelo de escala utilizada para tentar medir a intensidade da dor
O estado emocional também interfere na percepção da dor. Pessoas que estão passando por uma fase de depressão, por exemplo, têm tendência a ficar mais sensíveis e tolerar menos. A dor causada por uma hérnia de disco muitas vezes é contínua e pode, ao longo do tempo, acabar "minando" o estado emocional do paciente e levar a uma depressão. Com isso, a dor piora e se instala um círculo vicioso.
Frases como "emagreça primeiro para depois operar a sua hérnia" e "é melhor você se acostumar com a sua dor, pois, ela não tem tratamento", felizmente são coisas do passado. Com o advento da ressonância magnética, o diagnóstico de uma hérnia de disco agora é feito de forma precisa. Além disso, as técnicas microcirúrgicas evoluíram muito, tornando as microcirurgias bastante seguras, principalmente quando realizadas por um cirurgião experiente. Sendo assim, e dispondo das condições ideais, uma cirurgia de hérnia pode ser realizada sem expor a mãe e seu bebê a riscos desnecessários. Então, um procedimento cirúrgico para tratar uma paciente gestante que está passando por dor intensa pode ser viável. Diante da necessidade de uma cirurgia é muito importante o trabalho em equipe e a comunicação entre neurocirurgião, obstetra e anestesista.
Neurocirurgia durante a gravidez
Os batimentos cardíacos do feto devem ser verificados e registrados antes e após qualquer ato cirúrgico. Em algumas cirurgias a frequência desses batimentos também deve ser monitorada de forma contínua durante todo o procedimento através de um 'doppler' abdominal.
Posição da paciente para cirurgia na coluna
Antes de realizar o procedimento o neurocirurgião tem que planejar o posicionamento da paciente para a cirurgia. Normalmente, em uma cirurgia de hérnia de disco comum, os pacientes são colocados em decúbito ventral (deitados de barriga para baixo) com coxins apoiando a bacia. O objetivo desses coxins é deixar o abdome suspenso no ar, evitando apoiá-lo na mesa de cirurgia. Isso é importante porque a compressão do abdome pode aumentar o sangramento durante o procedimento.
Durante a gravidez, além do sangramento, o crescimento da barriga pode dificultar o posicionamento, pois, a gestante também não deve ficar apoiada sobre o abdome porque isso poderia afetar o seu bebê. Geralmente os médicos já estão acostumados com esse posicionamento em decúbito ventral, pois, são frequentes as cirurgias de coluna em pacientes com o abdome avantajado devido à obesidade. Com a gestante, a atenção tem que ser redobrada.
Posição em que geralmente os pacientes são colocados para serem submetidos a uma cirurgia de hérnia de disco
É possível também, caso necessário, realizar uma cirurgia na coluna lombar apenas com anestesia peridural. Durante uma época, realizamos inúmeros procedimentos assim com o objetivo de simplificar e evitar a anestesia geral. Com a evolução dos medicamentos e das técnicas anestésicas, atualmente a anestesia geral é mais segura e confortável para os pacientes. A anestesia peridural permanece como uma opção.
O ideal é que o abdome fique completamente livre de compressão. Os principais pontos de apoio são o tórax, o quadril e os joelhos.
A posição com apoio nos joelhos e peito também pode ser usada.
As setas mostram onde os locais do quadril (cristas ilíacas) que devem ser usados como apoio. Em laranja a área que deve ficar totalmente livre de compressões.
Dependendo do estágio da gestação, uma alternativa proposta por alguns cirurgiões seria colocar a paciente em decúbito lateral (deitada de lado). Talvez a principal desvantagem desta posição é que a maioria dos cirurgiões de coluna não tem experiência em operar desta maneira.
O decúbito lateral pode ser utilizado dependendo do estágio da gestação.